sexta-feira, 6 de março de 2009

Solidão

O vento assobia lá fora
Da janela, a jovem moça observa o afago do sopro nas plantas
E tempestade desse mesmo sopro nos corações
Não há voz que acalme
Não há companhia que console
A solidão chega assim
Quando a noite está nebulosa
Quando a lua se eclipsou
Quando o silêncio por si só fala e cala
Quando enleada em seu próprio desatino
Ela se esquece que mesmo os excêntricos amam.

domingo, 22 de junho de 2008

Poema do Jornal

O fato ainda não acabou de acontecer
e já a mão nervosa do repórter
o transforma em notícia.
O marido está matando a mulher.
A mulher ensangüentada grita.
Ladrões arrombam o cofre.
A polícia dissolve o meeting.
A pena escreve.

Carlos Drummond de Andrade

terça-feira, 3 de julho de 2007

Trocados

Sempre procuro percorrer caminhos diferentes para chegar ao local onde realizo atividades rotineiras.Essa preferência muitas vezes me reserva cenas pouco agradáveis e por outras me possibilita encontros inesperados e observações intrigantes.A última delas aconteceu há exatas três semanas.
Não raro nos deparamos com "pedintes vendedores" nas ruas de Joinville.Pessoas portadoras de deficiências, problemas de saúde ou miseráveis apelam para a piedade de cidadãos comuns, em uma espécie de permuta.Você dá alguns trocados e como brinde pela sua bondade leva uma caneta ou uma dúzia de balas de goma.
No início da tarde do dia 12 de junho, passei em frente ao "ponto" de uma deficiente visual praticante deste tipo de escambo. Sentada em um banquinho de madeira, ela usa seu colo como prateleira e ali, à vista de todos, ao lado da pequena caixa com balas de goma, fica uma cesta, destinada para o depósito das moedas referentes ao pagamento "simbólico" de cada pacote de bala. Só pude observar esses detalhes, que em outro momento passariam despercebidos, por uma atitude antecedente a minha passagem pelo ponto da senhora cega.
Alguns passos a minha frente andavam ligeiramente um garoto, de aproximadamente 4 anos, acompanhado pela sua mãe. Ao olhar a cesta com as moedas no colo da mulher o menino passou a mão e catou meia dúzia de moedas que o recipiente guardava. Depois de 15 metros percorridos a passos largos a mãe do menino parou e observou a mão da criança, plena de moedas, retirou-as da mão do garoto, somou o total que as moedas representavam e, ao verificar que estas eram de pequeno valor, retornou ao "ponto" da senhora, devolvendo às moedas a cesta.
Nenhuma outra parada, nem mesmo para explicar a criança o quanto foi "feia" a sua atitude.
O fato é que enquanto a desigualdade social existir esses personagens continuarão sendo figurantes nas calçadas das grandes cidades.Portanto, a minha indignação não deriva somente da deficiente visual mendigar diariamente.Mas, da ambição já imbuída em uma criança com tão pouca idade e do despreparo, da falta de consciência, de respeito daquela mãe para com àquela senhora.
Provavelmente se o valor total das moedas somasse uma quantia considerável a mãe "exemplar" não pensaria duas vezes antes de dar continuidade ao logro, ingênuo ou não, do garoto. Sim, porque no atual cenário não me surpreenderia se a atitude do garoto fosse ensinada e premeditada pela mãe.
Acredito que esta cena nos proporciona refletir acerca daquilo que nos torna tão pequenos: o dinheiro. Assim como a avareza se manifesta diante de poucas moedas, ela se impõe diante da combinação poder e dinheiro. Para alguns essa lógica explica, inclusive, os freqüentes dolos que o povo brasileiro sofre po parte de quem detém o poder e o capital público nas mãos.Não há caso de hipocrisia e de fraude que não tenha sido alicerçado pela ambição desmedida e insana.

segunda-feira, 28 de maio de 2007

Lei da Intimidação

"Se você quer justiça fique perto de casa."
Às vezes penso que essa assertiva é ou está passando a ser lei de ordem na sociedade brasileira. Lamentável e revoltante.

domingo, 15 de abril de 2007

Afã.Cautela.

Em alguns momentos na vida é preciso um pouco mais de cautela.Assim, como um motorista intransigente e afoito é alertado com a placa, que em letras garrafais, tenta denotar a ordem: PARE, o nosso corpo e a nossa vida suplicam por um pouco mais de calma.
À passos lentos, em um ritmo menos pressuroso, com sorrisos mais largos, respiração reeducada, hábitos mais saudáveis, olhos mais atentos, corpo mais disposto, reaprende-se a viver.Escuta-se novamente a voz do amor, perene na linha do tempo. Sonhos são buscados com afã(controlável).A vicissitude perde seu trono e a alegria reina novamente.
A vida, antes já lânguida e quase nefasta, já não é capaz de fazer o protagonista bordejar.
A noção de tempo não é mais dada pelos próximos minutos,horas,dias,meses ou anos, mas pelo agora, afinal hoje ninguém é capaz de dar conta do arredio futuro.
Não se vê mais nada de forma tão macilenta, pejada e melancólica.Tudo é luzidio, jocoso e melífluo como nunca.

domingo, 18 de março de 2007

Luto.Luta.

Não foi só mais um manifesto popular, foi um verdadeiro apelo. Setecentas cruzes fincadas na areia transformaram a fotografia da praia de Copacabana em uma paisagem mórbida.A praia mais famosa do Rio teve sua beleza desfigurada, nem mesmo a fachada clássica do Copacabana Palace, sempre imponente, saiu a salvo: o manifesto foi em frente ao hotel.
As setecentas cruzes representavam o número de vítimas de violência no Rio de Janeiro só neste início de ano.
Embora muitos dos transeuntes, no momento da manifestação, tenham sido tomados pelo medo e pela indignação, pouco ou quase nada é feito depois que esses sentimentos se esvaírem.
A inércia, por sua vez, toma conta da maioria das pessoas depois de passado o susto, o efeito efêmero que aquele cenário foi capaz de provocar.
Afinal até quando inocentes terão suas vidas interrompidas por crimes brutais?
Até quando nos assistiremos e noticiaremos, passivamente, tudo isso?
Nos faltam atitudes de cidadãos que requerem seus direitos, de guerreiros.
Espero que quando despertarmos não seja tarde demais, que não seja preciso um luto, ainda mais pesado e numeroso, para compreendermos que segurança não é vista mais como um direito pelo poder público, passou a ser uma conquista, e para tanto precisamos lutar.